Revista Digital Criança – Para começarmos nossa entrevista você poderia falar sobre o bebê e o seu cuidador no trabalho clínico.
Erika Parlato-Oliveira – Os bebês são o foco do meu trabalho como psicanalista, pesquisadora e professora e é sobre eles, na necessidade de uma clínica de intervenção a tempo, que eu gostaria de falar. Mas, para pensar nisso, é preciso pressupor um bebê (e seus familiares) em sofrimento. Quando pensamos no bebê, pensamos que ele nunca está sozinho, é sempre a criança com seu cuidador, que geralmente é a mãe, mas não só ela. E, para um bebê, um cuidador disponível e responsável é alguém presente no seu dia a dia, pronto para dialogar, independentemente de qual seja o grau de parentesco.
Revista Digital Criança – Mas, o que é um bebê em sofrimento?
Erika Parlato-Oliveira – A criança pode sofrer de várias maneiras: fisicamente, psiquicamente ou pode ter uma vulnerabilidade social. Tudo isso precisa ser considerado, pois pode afetar o bebê, e quando isso acontece, precisamos pensar numa intervenção clínica.
Revista Digital Criança – Mas como saber se um bebê está sofrendo?
Erika Parlato-Oliveira – Para isso, é preciso conhecê-lo muito bem! Hoje, próximo de 2020, há muitas pesquisas, nacionais e internacionais, que buscam descobrir as competências do bebê. Então, muitas coisas que antes pensávamos que os bebês não faziam, hoje sabemos que eles são capazes de fazer. Estamos num momento em que é necessário divulgar e difundir o quanto bebê é competente!
Por exemplo, antigamente acreditava-se que os bebês nasciam sem condições de ver, enxergar o mundo. Atualmente, sabemos que eles são capazes de focar a 30 centímetros, o que, coincidentemente, é a distância entre o olhar da mãe e o olhar do bebê durante a amamentação, seja no seio materno, seja na mamadeira. E essa troca de olhar prazerosa já é um diálogo, mesmo nesse início da vida. Podemos dizer que isso acontece desde o momento em que ele é colocado próximo à sua mãe, numa sala de parto. Sabemos também que o bebê é capaz de escutar a partir da 26a semana de gestação. Se ele escuta, ele também acompanha os diálogos que ocorrem ao seu redor: as falas que lhe são direcionadas, a voz da mãe que conversa com ele e que também dialoga com outras pessoas. Ele participa de tudo isso. Então, a gente pode pensar nesse bebê, ainda no período gestacional, já como alguém que tem condições de fazer trocas conosco.
Hoje, temos também bebês que nascem a partir da reprodução assistida, bebês que contam com ajuda médica para serem concebidos, e tudo isso acontece no mundo de tal forma que temos de procurar entender para que possamos reconhecer se o bebê e seus familiares estão indo bem, se ele está crescendo bem, se está desenvolvendo todas as potencialidades que ele tem ou se há algum sinal de sofrimento. Quando encontramos esse sinal é o momento de pensar numa intervenção clínica.
Revista Digital Criança – Quem pode encontrar um sinal de sofrimento no bebê?
Erika Parlato-Oliveira – Os profissionais que estão na linha de frente, quem trabalha diretamente com eles. Pediatras, enfermeiros e auxiliares de enfermagem são os profissionais que se ocupam de bebês nas Unidades Básicas de Saúde. Por exemplo, o responsável pela vacina no bebê. Esses profissionais têm a responsabilidade de observar se o bebê está ou não se desenvolvendo bem. Se ele está se constituindo bem como sujeito ou se mostra sinais de sofrimento. Claro que para tanto pressupomos que os profissionais estejam capacitados para observar esse bebê.
Revista Digital Criança – E como o bebê nos mostra o sofrimento?
Erika Parlato-Oliveira – O bebê pode mostrar seu sofrimento dormindo pouco ou muito, chorando muito ou não chorando nunca. Ele mostra seu sofrimento quando se recusa a comer, por exemplo. Então, o bebê que ainda não fala, mas que já se comunica, vai dando sinais de que algo não está bem. O profissional é o responsável por reconhecer esses sinais, por entender que o bebê está tentando dizer algo. Tanto o profissional da área da saúde, quanto o profissional da área da educação tem essa responsabilidade. Há bebês que passam 12 horas na creche, das sete horas da manhã às sete horas da noite, e quando chegam em casa, dormem. Esse bebê compartilha muito mais horas por dia com o profissional da educação do que com os próprios familiares. Esses profissionais são responsáveis por reconhecer um sinal de sofrimento no bebê.
Revista Digital Criança – E a partir do reconhecimento do sofrimento psíquico, qual é o próximo passo?
Erika Parlato-Oliveira – O passo seguinte é pedir ajuda para profissionais formados para trabalhar com o bebê, para ajudar a superar suas dificuldades, trabalhando em parceria com os seus familiares. É essa a clínica do bebê a tempo: no momento que esse sinal é descoberto. Esse é hoje o foco do meu trabalho e é o que eu tenho divulgado, produzido e publicado para que possamos ter, cada vez mais, profissionais aptos, tanto na França, quanto no Brasil, como em outras regiões.
Eu acabo de voltar da Universidade de Pequim, onde fui convidada a capacitar profissionais, para realizarem um trabalho em torno de crianças muito pequenas e seus familiares.
Revista Digital Criança – Este trabalho está fundamentado em quais perspectivas?
Erika Parlato-Oliveira – A clínica com o bebê deve sustentar que o bebê está falando, está comunicando, e é a partir daquilo que ele traz, que nós vamos, junto com os seus familiares, sempre em parceria, sempre na presença do bebê e dos seus cuidadores, sempre trabalhando juntos, favorecer que ele supere as dificuldades que apresenta. A nossa proposta é, a partir do reconhecimento de sinais de sofrimento, oferecer ao bebê em conjunto com a sua família uma clínica que favoreça ao bebê superar essas dificuldades. Este trabalho tem por embasamento a teoria psicanalítica lacaniana como fio condutor do trabalho clínico mantendo um diálogo profícuo com os campos que desenvolvem pesquisas e conhecimentos sobre as capacidades dos bebês.
Psicanalista. Mestre em linguística (UNICAMP). Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Doutora em Ciências Cognitivas e Psicolinguística (EHESS/Paris). Pós-doutora em Psiquiatria Infantil (Hôpital Pitié-Salpetrière).. Maître de Conférence em Psicologia -HDR (Paris VII). Professora do Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente (Faculdade de Medicina – UFMG) e do Programa de Pós-graduação Psicanálise e Medicina da Universidade Paris Diderot (Paris7). Co-coordenadora do DU-Diploma Universitário em « Psychisme face à la Naissance » da Universidade Paris Descartes (Paris V). Co-coordenadora regional PREAUT Brasil. Coordenadora nacional da Associação « La Cause des bébés ». Coordenadora da Coleção “Começos e tropeços na linguagem ” ( Instituto Langage).
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