“A mãe é a estabilidade da casa; o pai é a vivacidade da rua”. (WINNICOTT, apud ROSENFELD, 1992)
A ideologia implícita no discurso ocidental sobre a concepção, o nascimento e a puericultura privilegia as relações mãe-filho nos primeiros anos, momentos ditos como “naturalmente” femininos. Proponho que pensemos se aí já se encontra uma negação da paternagem, da relação direta do pai com seu bebê e de tudo que ele aporta para o desenvolvimento neuropsicomotor e afetivo da criança.
As novas configurações familiares, nos impelem a pensar sobre as várias nuances dos conceitos de função materna e paterna.
O pai não é um ingrediente que se acrescenta na relação mãe-filho, não é um ator figurante. Ele é mais ativo, mais audacioso e favorece a independência da criança. O bebê distingue desde cedo os cuidados paternos dos cuidados maternos, por conta das diferenças sensoriais que experimenta de um e do outro, como cheiro, tonalidade da voz, textura e movimentos. A criança busca contatos e comportamentos diferentes ao estar com o pai ou com a mãe o que dá origem a sincronismos próprios a cada díade.
Numa leitura cuidadosa de textos psicanalíticos sobre o que já se escreveu sobre o bebê, encontramos, sobretudo, o papel indireto do pai enquanto função simbólica, terceiro e representante da lei. Entretanto, descrições das interações pai–lactente são raras e quando aparecem referem o pai como substituto da mãe e dos cuidados maternos.
Badinter (1985) observa que as posições clássicas da psicanálise apontam para a presença menos essencial do pai, se comparada à da mãe nos cuidados iniciais, no primeiro tempo da existência. “Ele pode ausentar-se durante todo o dia, punir e amar de longe sem prejuízo para a criança” .
Lebovici (1987) ao citar Greenberg e Morris (1974) como pioneiros ao escreverem a respeito do impacto do recém-nascido sobre o pai faz menção ao sentimento de exaltação maníaca dos pais, propondo que a chegada do bebê provoca uma “brutal liberação de energia psíquica”. Referindo-se às vivências dos pais durante o período gestacional, ele comenta que na ocasião do nascimento uma parte do pai lhe é restituída e que a saída do bebê do ventre materno propicia ao pai a possibilidade de investir de uma nova forma no filho que ele tem nos braços.
Sylvain Missonier (2004), ao tratar das interações antes do nascimento menciona que os pais ficam contentes ao saberem que a placenta é formada de células maternas e paternas. No nível biológico diz ele, desde o princípio, o envelope primitivo firma então a presença das duas linhagens parentais.
O pai não materna. O pai paterna
A função paterna é um agente terceiro que barra o “idílio amoroso” entre a mãe e seu bebê, mostrando à mãe que ela não é o único objeto de amor do filho, assim como a criança não é seu único objeto de desejo. É uma operação constitutiva, subjetivante de separação e abertura, que possibilita o investimento da criança em outros objetos.
Minha proposta não é questionar esses conceitos que são preciosos e já bastante trabalhados na psicanálise, mas refletir sobre as várias nuances, trazendo uma nova cor e reflexão sobre o lugar que o pai ocupa nos cuidados iniciais e como ele entra em relação com o filho. Ao cuidar do seu bebê, o pai imprime a diferença, deixa sua assinatura a partir de seus recursos psíquicos, sua subjetividade.
Nessa linha de pensamento, defendo que o pai não materna, ele paterna. Ao alimentar seu bebê, trocar suas roupinhas, ele não está maternando e sim paternando. Podemos encontrar nesse paternar ingredientes da função materna e paterna interiorizadas no pai, assim como os aspectos identificatórios dele com o filho. “O bebê que fomos não morre jamais”. Diante do filho, o bebê que o pai foi um dia é reativado no seu psiquismo, sendo justo a dizer que o pai da criança é ao mesmo tempo a criança do pai.
O processo de paternalidade é “o conjunto de remanejamentos psíquicos e afetivos que implicam o desejo de filho, o desejo de paternidade, a gestação, nascimento e desenvolvimento da criança”. A interação fantasmática se enraíza nas camadas infantis e inconscientes da vida psíquica de cada um dos pais e será com seus recursos psíquicos que cada um, pai ou mãe, vai interagir com seu bebê. Martine Lamour (2000) refere um estudo de Keller,Hildebrand e Richard (1985) no qual estes compararam os efeitos dos contatos dos pais que ficaram um tempo prolongado sozinhos com o filho nos primeiros dias, com os que tinham somente contatos com o bebê na presença da mãe. Nesse estudo os autores identificaram que os pais que permaneceram um tempo mais prolongado sozinhos com o filho, apresentaram mais comportamentos de face a face com o bebê e se implicaram de modo mais efetivo nos cuidados.
O pai e seu bebê: uma relação fundamental
No processo de parentalização o bebê é um parceiro ativo pois, com suas “competências”, com seu modo de responder às convocações do pai e da mãe, ele contribui na construção da parentalidade.
Na obra de Winnicott, o pai aparece como mãe-substituta e como suporte e apoio da dupla mãe-bebê. Atuando como suporte emocional para a mãe, o pai realiza o holding para que a mãe, com a “preocupação materna primária”, possa cuidar do filho. Nos cuidados diretos com seu bebê, o pai exerce a maternagem, e nessa função o importante não é seu lado masculino, mas seu lado materno. Na fase primitiva do desenvolvimento, por sua imaturidade, o bebê não percebe o pai como externo nem terceiro, mas nas fases mais evoluídas, com o amadurecimento, acontecem as relações triangulares. Mesmo sendo considerado por muitos como um autor que fala quase exclusivamente da mãe, Winnicott apresenta valiosas contribuições sobre o papel do pai nas fases mais primitivas e mais evoluídas da vida humana.
Para Serge Lebovici o pai assume o papel continente protetor que embala a dupla mãe-bebê e ao exercer os cuidados diretos com o bebê ele tem um papel maternante. A interação pai-bebê é, segundo ele, influenciada também pelo que o bebê ouve dizer do pai pela fala materna.
Barriguete Menendez, Serge Lebovici, entre outros, ao se reportarem à relação direta pai-bebê comentam que “a inclusão do pai se faz progressivamente; cabe a ele entrar na relação com seu bebê, aceitar os limites de sua natureza de homem, mas procurar embalar o bebê, sustentá-lo e contê-lo”.
Ser pai e ser mãe: existem diferenças?
Na atualidade, encontramos a reivindicação masculina de não permanecer unicamente no lugar funcional de provedor, de suporte à mãe ou daquele que diz “não”, mas também de ter prazer em realizar os cuidados iniciais do seu bebê, de paternar. Nesses cuidados, na forma como alimenta, troca as roupinhas do filho, o pai já estabelece uma diferença, deixa sua assinatura, marca seu lugar como agente da estruturação subjetiva da criança.
A reciprocidade na relação mãe-bebê e pai-bebê é semelhante, no entanto, existem características particulares na forma como o pai e a mãe interagem com ao bebê. Para Lebovici, Menendez et al. “a função maternal do pai não deve tentar suplantar aquela fundamental da mãe, ao contrário, contribuirá para sustentá-la”.
De acordo com Martine Lamour, para Boris Cyrulnik, o pai tem um estilo próprio de se relacionar com o filho, estimulando mais a criança e apresentando melhores performances no que se refere à alimentação. Menciona que eles limpam menos e brincam mais, sorriem menos, vocalizam menos, mas cutucam mais e movimentam mais as pernas do bebê, numa tentativa de fazê-lo pedalar.
Herzog, citado por Stoleru e Mazet ressalta o papel precoce do pai na sublimação da agressividade da criança por intermédio do jogo. Esses autores trazem também notícias de estudos com bebês de três semanas a três meses em situação de jogo, nas quais os pais são mais estimulantes com os filhos do que com as filhas.
A diferença dos ritmos motores e estímulos sensoriais imprimidos pelo pai contribui para a diferenciação entre este e a mãe. No pai, todos os gestos são diferentes e fortemente libidinizados. O modo como o pai interage com seu bebê, a forma como o carrega, como dele cuida provoca estados de alerta e de tensão, bem como de ritmos motores que são diferentes dos provocados pela mãe. Fato este já apontado há anos pelo pediatra Berry Brazelton ao referir que o pai tem um comportamento mais lúdico, mais estimulante e espera reações mais vivas por parte do bebê. Considero que nesses momentos ele exerce a paternagem com seu corpo e psiquismo, e não deve ser considerado como mero substituto. O pai, com um tipo relacional próprio e diferente da mãe, aceitando os limites da sua natureza de homem, e com sua função criativa antecipatória e mais ousada, embala e brinca com seu bebê, contribuindo para a emergência das competências e o do vir a ser da criança. Isso sem desconsiderar seu papel também de protetor e continente da díade mãe-bebê.
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Psicóloga. Psicanalista. Mestra em Saúde Materno Infantil. Especialista e formadora em Intervenção Precoce Pais-Bebê. Professora e supervisora em Clínica Psicanalítica com bebês em cursos de pós-graduação (FACHO e FAFIRE). Membro da CIPPA – Coordination Internationale entre Psychothérapeutes Psychanalystes s’occupant de personnes avec Autisme. Membro fundador da RIEPPI – Rede Internacional de Estudos de Psicanálise e Psicopatologia do Infans. Coordenadora do Ciclos da Vida – Centro de Formação e Acompanhamento (Recife).
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